Depoimentos

Jacó, o trovão do bandolim

 

 

Jacó do Bandolim era o trovão. Onde ele estivesse, o espaço era totalmente ocupado pela sua voz ou pelo seu olhar ou pela sua música.  Seu bandolim encantado inundava nossas vidas através dos saraus na generosa casa de Jacarepaguá. Tia Amélia, Pixinguinha, Paulinho da Viola, Clementina, Canhoto da Paraíba, Dino, César Faria, Jonas, Oscar Cáceres, todos e tudo devidamente documentados pelo anfitrião com gravações, partituras e, mais esporadicamente, fotos. Hermínio Bello de Carvalho fazia às vezes de mestre-de-cerimônias. Amigo fiel de Jacó levou-me a presenciar situações inesquecíveis. Numa delas, fomos com Jacó à casa de um solícito e idoso fã niteroiense: Nhônhô. Encontramos Jacó nas barcas e, como eu trazia o material completo do Concerto de Castelnuovo-Tedesco para violão e orquestra, ele divertiu-se toda a travessia tomando conhecimento daquela obra.

 

 Mais tarde, em Niterói, já no táxi, a caminho da casa do famoso Nhônhô, percebo Jacó assobiando trechos dom Concerto que lera há pouco.

 

 – Jacó a melodia está errada. Não é bem assim...

 

Jacó, com sua tonitruante gargalhada me adverte:

 

– Oh, Turíbio, não é a melodia. Estou assobiando a parte do violoncelo!

 

Todos estupefatos dentro do táxi. Eu, mais que todos.

 

– Você decorou o Concerto?

 

– O Concerto todo não deu, mas do primeiro movimento, todas as linhas condutoras.

 

E saiu assobiando o primeiro-violino, a clarineta, a flauta etc. até a casa do Nhônhô, que ansioso nos aguardava na porta do jardim. Jacó desce do carro e sue vozeirão ordena:

 

– Paga o táxi, velho bandido!

 

A professora Ermelinda me olha espantada. Eu afirmo:

 

– Ermelinda, Jonas do Cavaquinho sempre disse que Jacó aprendeu música em um dia!

 

– Mas isso é impossível, é inacreditável.

 

– Veja bem, Jacó aprendeu a escrever e ler música em um dia justamente por já saber tudo da música anteriormente.

 

– Mas...como?

 

– Eu não sei. Jonas me contou que lê foi bem cedinho para a casa de um spalla (primeiro-violino) amigo dele. Foi com a família toda. De manhã já sabia solfejar em qualquer clave. De tarde, aprendeu toda a notação da harmonia.

 

Incrédula, Ermelinda Azevedo Paz armou-se de disposição e descobriu a veracidade da história do Jonas. Todos seremos gratos à sua tenacidade de pesquisadora, e à sua biografia de Jacó do Bandolim. Detalhes: isso aconteceu entre 1948 e 1949, e o professor foi Dalton Vogeler.

 

Na casa do Nhônhô, fez-se muita música até cinco horas da manhã. Todos tocaram e muito. Eu também. Cansado Jacó anuncia a retirada:

 

– Muito bem, é hora de irmos embora.

 

E Nhônhô, no taco:

 

– Mas por quê, Jacó? Alguma contrariedade?

 

Pronto. Jacó soltou o trovão em cima do velho. Uma cena de opereta bufa em que cada um já sabe o papel que lhe toca e Nhônhô nada mais fazia que representar o seu. Resultado: Jacó impôs-lhe uma sentença. Passaria um ano sem tocar na casa do velhinho e sem falar com ele. O pobre só faltava chorar. No táxi, estávamos às gargalhadas enquanto ele já deveria estar tramando a reconquista do adorado Jacó.

 

Em geral, já que as rusgas entre ambos eram constantes, a pacificação era feita de maneira bem singela. Nhônhô passava uma tarde inteira na calçada escaldante do centro do Rio até encontrar “por acaso” diante da 8ª Vara Criminal com Jacó. Oferecia-lhe “por coincidência” aquele bolo maravilhoso da patroa e a rusga se encerrava com o agendamento de mais uma seresta. Minha última lembrança de Jacó foi um gesto de generosidade dele. Agosto de 1966. O trovão me telefona. Queria fazer um sarau comemorando minha vitória no concurso em Paris. Como eu ia para o Nordeste, deixamos para marcar uma data na volta. Aos cinqüenta e quatro anos, Jacó deixou-nos precipitadamente. Os inúmeros maços de Mistura Fina Especial Extra, fumados até durante suas duas parcas horas de sono, cobraram o seu altíssimo preço.

 

 Agora Jacó anda por aí, nos bandolins, cavaquinhos, violões e composições das novas gerações. Sua presença passou a ser eterna na música brasileira. Carisma e inspiração.

 

 

Turíbio Santos

 

Impressões de Jacob

 

 

Não se pode dizer que era uma pessoa que se pudesse rotular de expansiva. Se não represasse tanto as emoções, talvez até o coração não o traísse da maneira que o traiu, quando voltava da casa de Pixinguinha — onde foi pedir licença e bênção para morrer. Lembro que tivemos acirrada discussão antes do “show” do João Caetano, aquele que dirigi ao lado de Elizeth, “Época de Ouro” e o Zimbo Trio — recital do qual resultaram três LPs que são o orgulho de minha vida. A gente se comunicava por recados um tanto sobre malcriados e tensos — era, afinal, o dia da estréia. Eu tinha chegado cedo ao teatro, feito as marcações no palco, afinado os refletores, escrito toda a luz do espetáculo.

 

Quando Jacob viu todo o meu cuidado, se desarmou. Toda hora vinha me paparicar (“...você está nervoso?”, “...não pensei que fosses tão cuidadoso assim”, etc.). Fizemos um ensaio na marcação, entradas — aquelas coisas. Roteiros espalhados pelas estantes, pelas coxias. Elizeth tensíssima. Eu me lembro que quando o concerto chegou ao final, o público uivava. Foi uma coisa muito emocionante, eu atrás do palco me senti agarrado pelo Sérgio (“entra no palco, papai está chamando”) — e eu ouvia o vozeirão de Jacob me chamando para receber junto deles os aplausos, a verdadeira ovação que o público, de pé, tributava a ele, a Elizeth, ao pessoal do Zimbo e do “Época de Ouro”.

 

Me lembro de uma vez em que estava em casa com meu parceiro Maurício Tapajós, compondo. Ocorreu-nos colocar um disco de Jacob na vitrola, e sei lá por quê, parece que naquele dia (efeito do uísque? não creio) Jacob tocava diferente. Aí fiz um bilhete bem ordinário ao Jacob:

 

“Gostar de homem é coisa que não se deve confessar publicamente. Mas estou aqui para confessar essa anormalidade e meu profundo amor por você, Tom Jobim, Pixinguinha e Vinícius de Moraes. Por vocês eu ia pra zona fazer coisa feia, e ficava o dia inteiro rodando bolsinha, agüentando homem na cama até dizer chega. Aí eu voltava pra casa. Para Pixinguinha eu trazia bolacha-maria e ia direto pro quarto botar soutien francês e calcinha rendada. "Tonzinho" querendo eu ia fritar ovos, tirar gelo bem gelado, acalentar sua vagotonia, e aí então eu ia satisfazer os desejos de Vinícius. Deixava-o assim como sempre foi: aquele mar que entra e sai pelos cabelos dele, aquele tufão de flores que salpica por onde anda. Para você eu pedia licença à Adília e ia tratar todo cheio de dengos: botava remedinho, aturava seus destemperos, e pedia para você tocar o "Vou vivendo”, razão e motivo desta declaração impudica, eu disse impudica”.

 

Peguei meu carro, buzinei na porta da casa, joguei o bilhete na varanda e voltei pra casa. Lembro agora: ele andava fazendo um museu de roupas, e já tinha uma ceroula do Pixinga, uma cueca não sei de quem — porque também Jacob não era fácil! E eu, de pura safadeza, havia roubado um par de meias dele, pra também fazer o meu Museu...

 

Bem, no dia seguinte ao da minha estripulia, o Jacob me telefona pra passar um “carão”. Mas quem disse que ele se agüentava sério por muito tempo? Rimos muito, como dois bons moleques que éramos. Um dia fui “saído” da Rádio MEC. Eu tinha voltado de Paris, onde fora o primeiro brasileiro a integrar um júri de composição promovido pelo O.R.T.F. A coisa fora mais grave porque eu havia ido em missão oficial, inclusive para permutar material com a Rádio. Mais grave do que isso, porém, foi o caso dos inúmeros programas que Jacob gravou para o MEC, e que por motivo de economia foram mandados apagar pela Diretoria da Rádio. Isso ficou doendo nele até dizer chega. Já tínhamos, nessa época, problemas com a chamada “memória nacional”...

 

Não, o bilhete que recebi foi um pouco antes disso. O Prof. Mozart de Araújo (meu Mário de Andrade dos dias de hoje) me havia levado pra Rádio para eu fazer uma série de programas sobre literatura do violão. Quando a série acabou, Jacob (que gravava todos os programas e os arquivava religiosamente) me mandou um bilhete comovedor:

     Rio, 2.9.1960

       Meu caro Hermínio:

      Um forte abraço.

 

De mão beijada, aí vai humilde lembrança do teu amigo, mais modesta que o par de meias que me furtaste e a que deste tanto valor... Terminou — na Rádio Ministério — o programa “Violão de ontem e de hoje” e, no meu conceito, a maior e mais perfeita promoção do violão erudito que tive ensejo de conhecer. Com isso ficaram suspensos, sine die, deliciosos momentos meus em que a inteligência se apurou e os sentimentos se sublimaram. Ouvindo-te, aprendi muito. Mas como ensinar-te algo sobre o violão? Difícil.

 

Daí a iniciativa de levantar o repertório de João Pernambuco, tarefa que me consumiu algum tempo em buscas por vezes infrutíferas.Claro está que não tenho tudo de João, mas as informações que aí seguem são verdadeiras e, quando não, a omissão ou dúvida estão patentes.Espero que te seja útil como útil tens sido ao velho que te abraça.

 

JACOB.

Foram também, inesquecíveis, para mim, os saraus de Jacob, um dos quais passei para um disco. Tem uma versão de 9 minutos do “Noites Cariocas” absolutamente antológica. Foi lá que conheci Paulinho da Viola, e levei Oscar Cáceres, Maria Luísa Anido, Turíbio Santos, Clementina de Jesus — tanta gente! Foi lá que ouvi Dorenski. Noite incrível.  Costumo dizer que Pixinguinha é minha música, e que Jacob é meu músico. Não mudei de opinião até agora.

 

Hermínio Bello de Carvalho

 

Jacob, uma grande criança

Jacob era um homem sério e muito exigente. Era daquele tipo de antigamente: um olhar bastava para manifestar a sua contrariedade. Um olhar, por exemplo, num dos músicos do seu conjunto por causa de um erro qualquer era mais violento do que qualquer espinafração.

 

Mas dentro de toda aquela seriedade pomposa vivia uma grande criança. Escrivão de uma vara criminal, expediu certa vez uma intimação para o cantor e compositor Luiz Vieira. Quando este chegou ao foro e viu Jacob foi logo falar com ele para saber do que se tratava, se estava envolvido em algum caso sem saber ou se havia alguma acusação séria contra ele:

 

— Nada disso. E só para você autografar esse seu disco que, aliás, está muito bom — disse-lhe Jacob.

 

Já contei essa história no meu “ABC” e conto de novo. Quando Jacob teve seu primeiro enfarte, o médico lhe perguntou que marca de cigarro fumava e quantos maços eram consumidos por dia., “Cinco de Minister” — informou o bandolinista. “Pois agora você terá que reduzir para um maço de Minister”.

 

Jacob passou a comprar um de Minister, um de Hollywood, um de LS, um de Continental e um de Mistura Fina.

 

De volta ao médico:

 

— Quantos maços de Minister você está fumando por dia?

 

— Um -, respondia Jacob que, aliás, não gostava de mentir.

 

 

Sérgio Cabral

 

Filho que retrata o pai

 

 

No dia  em  que Jacob estaria completando 60 anos  (vivo fosse), o jornalista Jésus Rocha, de Última Hora,  à  época editor do “Segundo Caderno”, pediu ao filho, Sérgio, um depoimento sobre o pai. Ao correr da máquina, Sérgio Bittencourt, jornalista e compositor, escreveu comovente texto acerca da pessoa de Jacob do Bandolim. Eis o retrato que o filho hipersensível traçou do pai idem:

 

“Sou avesso a biografias, cronologias, datas, números, quando se trata de querer saber quem é quem, quem foi quem. Muito mais hoje, 14 de fevereiro de 1978, dia em que, se vivo estivesse, o cidadão Jacob Pick Bittencourt completaria, ao lado de poucos, porém, enquanto vivos, fiéis amigos — nada mais do que 60 anos de idade.

 

Filho de uma polonesa da cidade de Lodz, refugiada da Primeira Grande Guerra e de um pacato, quieto, injustiçado — até pelo filho — farmacêutico vindo de Cachoeiro do Itapemirim, o Sr. Francisco Gomes Bittencourt (lá ia eu esquecendo de registrar o nome “duvidoso” de minha avó paterna; a colônia de judeus a chamava de “Regina”. No registro estava Sra. Raquel Pick). A bem da verdade, “Regina” era o chamado “nome de guerra”.

 

Jacob nasceu na maternidade de Laranjeiras, fruto de um descuido da polaca e do tranqüilo dono da farmácia Bittencourt, na Rua Uruguaiana, ao lado da “Casa Garson”. Nasceu e ficou nascido! Cresceu na Rua Joaquim Silva e na Avenida Gomes Freire. Estudou no “Anglo-Americano”, depois de conhecer de perto e ser protegido em menino, por Miguelzinho, Edgar, Camisa Preta. Do “Anglo-Americano”, onde jogou basquete e não cantou o hino em homenagem ao Príncipe de Gales, preferindo, pela vez primeira, “bater gazeta”, o que lhe resultou fratura na perna em três partes, foi para o CPOR e trabalhou no arquivo do Ministério da Guerra.

 

Já tocava bandolim. Donga, mestre Donga, foi quem o convenceu a prestar concurso para a Justiça — cargo: “Escrevente Juramentado”. Passou em 13º lugar. Na ordem de classificação, vindo de fora, obteve a 1ª colocação. Afinal estava na hora, mulher, dois filhos, sendo um deles, o mais velho, portador de hemofilia, o jeito foi meter a cara nos livros e ir para a grama da Quinta da Boa Vista, onde minha mãe lhe tomava os pontos e com muito amor, ternura e subserviência, lhe preparava lautos sanduíches de pão com pão!...

 

Nem para uma rapinhada de manteiga, dinheiro havia. Havia, sim: garra. De ambos. Dois filhos, uma vontade de responder ao mundo mais ou menos nestes termos:

 

– Nasci de uma aventura, cresci no meio do lixo, conheci o lixo, não vivi dele, meu velho pai era quem pagava tudo e eu não sabia, ou tocador de bandolim, artista de rádio ou marginal, como querem, mas, um dia vou ser a lei. E foi.

 

Embora  filho da velha polonesa resmunguenta, que amava mais o papagaio de estimação do que o próprio chamado "fruto do seu pecado" — no caso ele — Jacob só fez lutar, na vida. Eu seria mais franco se dissesse — e vou dizer: Jacob só fez brigar na e pela vida. Minha avó paterna, doce criatura para os netos e o marido, massacrou-o bastante. Ele resistia por amor. Adília Freitas Bittencourt, sua mulher, era tudo para ele — menos na música. Ele era a criatividade. Ela, o artesanato. Sabia de todas as suas preferências: arroz, muito arroz, bife e batatas fritas. Doces, todos os doces.

Pegou-o pelos beiços e soube segurá-lo até o dia 13 de agosto (sempre insano agosto!), de 1969, quando dirigindo sozinho seu carro, Jacob chegava à sua casa, em Jacarepaguá, vindo da residência de um de seus poucos ídolos, Pixinguinha, já ofegante, avisando que estava morrendo, sendo recostado pela mulher e o sogro no chão da grande varanda — onde morreria. Eram 6 horas da tarde. Diagnóstico: infarto e edema pulmonar.

 

Já  estava fumando  seis  maços  de  cigarros  por  dia. Fez  de  tudo  para largar o único vício, de tratamentos psiquiátricos, até solenes sessões de macumba e hipnose. Nada adiantou. Não jogava, não bebia, em futebol seu time chamava-se “Zizinho Futebol Clube”. Fumava. Apenas. Um  temperamento puramente emocional. Chorava e xingava, numa fração de segundo. Quando ouvia um “acorde” bem feito ao violão, não se continha e gritava: – Bonito!!!

 

Amava, com a mesma força e sinceridade, seus dois pólos opostos: a Justiça onde chegou a Escrivão-Chefe da 11ª Vara Criminal e a Música; o estudo, a busca, a análise da genuína música popular brasileira. Jacob do Bandolim Sempre nos amamos, com o amor sério e fiel de dois guerreiros, muitas vezes em trincheiras opostas. O que fiz por ele, fiz e não digo. O que fez por e de mim, foi um tudo. Me lembro: jamais me mentiu. Era capaz de esbofetear um mentiroso, apenas pela mentira. Fosse de que gravidade.

 

Me lembro: Papai, vai doer? A perna toda roxa, a enfermeira da Santa Casa, ele: – Vai!

 

No dentista: – Muito, papai? Ele: – Bastante.

 

Repito e gosto de repetir: jamais me mentiu. Mas, nos momentos em que estive “cara a cara” com a morte, ele também não me mentiu. E, como nas outras ocasiões, não me mentiu, mas soube, sempre, me estender a mão. Quando eu agarrava, mordia, deixando naquelas mãos santas de datilógrafo e músico, as marcas incuráveis da minha dor. De tudo que me ensinou, certo ou errado, hoje, dentro dos meus já então parcos e paupérrimos preconceitos, retiro, inapelavelmente, uma solução, uma saída, uma parada para pensar, um pouco de coragem para enfrentar, muita coragem para não “aderir” — na última das hipóteses, um sofisma, uma frase feita — estamos conversados!

 

Seus ídolos: Almirante, Orestes Barbosa, Noel Rosa, Nonô (pianista, tio de Cyro Monteiro e parente de Cauby), Bonfiglio de Oliveira, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Sinhô e Frei Fabiano, que passou a viver promiscuamente, com alguns “orixás”, dos mais respeitáveis que surgiam lá em casa para tentar dar um jeito nas três úlceras duodenais, na vesícula (que acabou extirpada), na hipertensão, que Dr. Manoel sempre agüentava, no “bico de papagaio”, da eterna suspeita de câncer, na doença incurável do filho. Meu pai, em momento algum admitiu morrer. (Observem: seu ídolo, Pixinguinha, morreu dentro de uma igreja. Ele, na hora santa da “Ave Maria”. Não sei, não, mas a vida às vezes, nos mostra algum sentido.)

 

Estudou Ernesto Nazareth tanto, que agindo policialescamente, uma espécie de “Holmes Jacarepaguense”, provou, pericialmente, que o grande pianista e compositor suicidou-se, quando passeava pelas matas do sanatório da Taquara, num rápido e fatal estado de lucidez. Percebendo-se louco, deixou-se morrer afogado. Desta tese, meu pai não admitia nenhuma contrapartida. Um dia apaixonou-se pela fotografia. Comprou todo o equipamento, ingressou na ABAF e concorreu com uma foto de uma máscara de ráfia com fumaça em 1º plano. Venceu. Era o que queria.

 

Não foi homem de botequins. Gostava do “ajantarado” dos sábados e domingos. Sempre naquela mesa. Regime: absolutamente patriarcal. Depois do almoço, ia dormir. O silêncio se fazia, debaixo de todos os medos. E ensaiava. Ensaiava sempre, com seu conjunto, que, de repente, ele chamou de “Época de Ouro”. Além da sua genialidade, só deu à MPB Elizeth Cardoso — e precisava mais? — e esse menino, Déo Rian.

 

Sentia-se um pouco “guru” de pessoas como Sérgio Cabral, Hermínio Bello de Carvalho, Ricardo Cravo Albin, a quem respeitava muito, embora, como secretário do tal Conselho Superior de Música Popular Brasileira, discutissem sempre. Ricardo, verdade seja dita, “perdeu” a discussão com ele, apenas por uma simples, porém fatal, questão de tom de voz. Meu pai a tinha linda. Ele próprio, era lindo. Exatamente: um homem lindo. E sabia disto. O que lhe faltasse, talvez, em cultura, sobrava-lhe em inteligência e tirocínio e emoção. Algumas vezes esteve para morrer... diante do belo!

 

Era homem de saraus, que amanheciam. Incrível: “Escrivão Criminal”, respeitadíssimo na Justiça conseguia ser também, ladrão. Sim: ladrão! Ele sabia que você guardava um disco velho, daqueles da “Casa Edson do Rio de Janeiro”. Aí ele pedia para ele. Você não dava. Então, cismava que você deveria emprestar o disco para ele passar para a fita magnética. Você dizia “não”. Ele simplesmente, furtava. Em casa, no seu Arquivo, muito mais do que um santuário, passava pro gravador, para partitura, pro microfilme e devolvia. Quando devolvia, sejamos sinceros.

 

Ah, sim outros ídolos: — Radamés Gnattali, Paulo Tapajós, João Pernambuco, Capiba, Luiz Vieira. Detestava o Carnaval: não perdia um desfile de frevos! Vibrava. Chegou a compor e gravar alguns. Dormia cedo, para acordar de madrugada e se enfurnar no seu Arquivo. Ali, era a “Toca do Leão”. Lá conviviam, em perfeita harmonia, seus sonhos e realidades; suas buscas e certezas; seus mortos e vivos. Suas duas manoplas, tanto serviam para batucar, numa ligeireza fantástica, a máquina de escrever durante o interrogatório (odiava ladrão), como para criar um som que nunca foi de bandolim. Foi dele.

 

 O que Luperce Miranda fazia com estrondosa agilidade, ele fazia com humildade e sentida emoção. Tocava de olhos fechados, apertando o minúsculo e pobre instrumento contra o peito. Muitas vezes, chorou tocando. Ou melhor: sempre tocou chorando. Admirava a cultura musical de Lúcio Rangel e de Tinhorão. Era um radical. Sempre foi, um radical que se anunciava “tradicionalista”. Mas, que, numa certa noite de 1969, no Teatro João Caetano, ao lado de Elizeth e do Zimbo Trio, tocou de tudo — e quando resolveu executar o “Chega de Saudade”, ficou estabelecido que, realmente, ninguém mais poderá tocar alguma obra de Tom e Vinícius! Uma noite! Uma loucura!

 

Hoje, sinto pena de seus amigos, da sua mulher e de minha irmã. Todos viram-no morto. Eu, não. Cumpri sua ordem. Toda vez que ele me vem à mente — e me vem sempre — ou é discutindo com um cassetete na mão e um “32” na outra, ou é interrogando, com a carranca fechada, um punguista da Central, ou é me ensinando naquela mesa, o que, para ele, significava “viver melhor” — ou tirando do seu bandolim, o som liberto e puro do coração. Do coração. Aos 37 anos de idade, descrente e exausto, sem Deus nem diabo, é que posso afirmar: Jacob Pick Bittencourt foi mais do que um pai. Do que um amigo. Do que um Ídolo. Foi e é, para mim, um homem.

 

      Com todas as virtudes, fraquezas, defeitos e rastros de luz que certos homens, que ainda escrevemos com “agá” maiúsculo, souberam ou sabem ser. E homem com H maiúsculo, para mim é Gênio. Tenho certeza e assumo: não sou nada, porque, de fato, não preciso ser. Me basta ter a certeza inabalável de que nasci do Amor, da Loucura, da Irrealidade e da Lucidez de um Gênio.

 

 

Sérgio Bittencourt

 

30 Anos Sem Jacob

 

Senador Artur da Távola

 

 

 

Opúsculo (livreto) publicado em 1999, por ocasião

 

dos 30 anos de falecimento de Jacob do Bandolim

 

 

 

Dia 13/08/99 fez trinta anos da morte de Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim, legenda de nossa música popular. Morreu cedo, 51 anos, infarto fulminante ao voltar de encontro com Pixinguinha. Dois filhos, Sérgio Bittencourt, compositor e jornalista, falecido também, e Elena, dentista. Obra notável de instrumentista, compositor; respeito e admiração do Brasil. Trinta anos após sua passagem, Jacob do Bandolim é ainda maior no respeito e na reverência de músicos e de ouvintes qualificados de nossa música.

 

Ao tempo de Jacob vivo, três instrumentistas eram disputados pelas gravadoras como solistas altamente qualificados: ele, Waldir Azevedo no cavaquinho e Garoto, no violão. Garoto, como Jacob, morreria também de modo prematuro. Waldir sobreviveria aos dois, para morrer alguns anos depois em Brasília, onde residia.

 

O Brasil é uma espécie de paraíso das guitarras e suas variantes: o bandolim e o cavaquinho. Somente em violão possuímos pelo menos uma vintena de instrumentistas de porte internacional, no popular e no chamado erudito. Já o cavaquinho e o bandolim sempre pareceram instrumentos menos nobres que o violão, funcionando como complementos nas rodas de samba e choro. Apesar da tradição secular do bandolim, instrumento solista de concertos do período barroco, no Brasil ganha maioridade, autoridade e respeito com Jacob do Bandolim e Luperce Miranda, que o elevara à categoria de solista qualificado e de acompanhante principal de grandes cantores.

 

Um  dos dez discos mais importantes de toda a discografia brasileira - a opinião é unânime - é o que registra o show realizado em 1968, no Teatro João Caetano (Rio de Janeiro), dirigido e organizado por Hermínio Bello de Carvalho, com Elizeth Cardoso, Jacob do Bandolim e o Zimbo Trio. Para felicidade dos discófilos, esgotada a edição inicial realizada pelo Museu da Imagem e do Som, em maio de 1989, a gravação voltou às lojas na série Documento.

 

Jacob foi dos principais responsáveis pela elevação do "conjunto regional" ao respeito e à valorização de sua brasileira e inventiva junção de instrumentos, alta improvisação e completa brasilidade de invenção melódica e harmônica. Sempre mereceu, porém, custou a encontrar.

 

 O conjunto regional nasceu da precária condição econômica de nosso povo, juntando os mais baratos instrumentos à venda e fabricados no País.

 

Nas décadas de 20 e 30, os instrumentos de sopro eram importados e caros, não havendo no Brasil, tecnologia em metalurgia para fabricá-los. Por isso, a junção de instrumentos como violões, cavaquinhos e bandolins de fabricação nacional, com alguma percussão portátil (pandeiro, eventualmente tumbadora), às vezes a flauta (esta, com tradição desde o início do choro como gênero) e, anos depois, o acordeon, compuseram o conjunto harmônico apto a solos e acompanhamentos.

 

O rádio, a partir da década de 30, necessitando de acompanhamento barato para cantores que se apresentavam ao vivo, preferiu o conjunto regional às orquestras, salvo em produções especiais para programas noturnos e consagrados, mesmo assim, apenas nas emissoras principais. A base do acompanhamento era o conjunto regional, composto por violões, pandeiro, um cavaquinho ou bandolim. Jacob não gostava, aliás, da expressão "regional".

 

 A alta qualidade da arte de Jacob e Luperce retira o bandolim da função subalterna e o traz à condição de solista privilegiado ou de principal instrumento de diálogo com o cantor solista. O mesmo se deu com Waldir Azevedo, ao cavaquinho, e Garoto, ao violão.

 

 

 

O BANDOLIM E O BRASIL

 

 

O bandolim aparece no Brasil, trazido de Portugal, por volta de fins do século XVIII. Um século antes, aproximadamente, já era usado, em Veneza (onde o instrumento disseminou-se), por Vivaldi, ousado experimentador de novas sonoridades para a sua época.

 

Não se sabe ao certo como vem para o choro, mas nos conjuntos dessa modalidade de música, o bandolim aparece aos poucos. Inicialmente veio o cavaquinho, instrumento de execução mais simples e sonoridade intensa. O bandolim, por possuir oito cordas agrupadas de duas em duas, formando, portanto, um conjunto de quatro cordas duplas, possui sonoridade mais doce e suave. Conforme o tratamento, porém, consegue o beliscado buliçoso, brincalhão, irônico, capaz de ombrear-se com seu sentido melancólico e plangente. Tal melancolia encontra limitações na dificuldade do prolongamento das notas ao bandolim, o que não impede grandes solistas de dele arrancarem sofrimentos e densidades. O instrumento é difícil, mas sua fala é direta.

 

O choro brasileiro veio se constituindo aos poucos, através da junção de vários instrumentos nem sempre tocados em conjunto. A flauta está em sua origem. Idem, a nossa guitarra, o chamado violão. Outra vertente do choro, em fins do século passado - esta, proveniente de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e outros - utilizou o piano, em sua versão popular, para prodigalizar o andamento do choro. Mas o piano não podia acompanhar as andanças dos chorões pela cidade, e a base do choro fica sendo o chamado "terno": flauta, violão e cavaquinho. O conjunto se expande com a presença de instrumentos de ritmo (pandeiro, às vezes tumbadora) e, com modalidades variadas, o choro se desenvolve no século XX quando a ele chegam o bandolim em alguns conjuntos, a clarineta e até o acordeon. Há ainda, o vetor proveniente das bandas, desde Anacleto Medeiros. Hoje, modernas versões de conjuntos de choro, estendem o gênero com a incorporação de instrumentos eletrônicos, mas a flauta talvez seja a grande estrela do choro, desde os seus inícios com o grande Callado (Joaquim Antônio da Silva Callado), Patápio Silva, Pixinguinha, Benedito Lacerda e até hoje o fabuloso Altamiro Carrilho.

 

O bandolim como solista, entra lamentavelmente mais tarde no conjunto de choro, devido à técnica difícil e ao escasso número de instrumentistas aptos aos desafios dos solos e das harmonizações necessárias. Luperce Miranda, primeiro, e Jacob do Bandolim, depois, marcaram a presença do instrumento como solista, façanha que nos dias de hoje encontra em Déo Rian e Joel Nascimento legítimos sucessores. Outra limitação dificultou a presença protagonista do bandolim no conjunto de choro: a diferença entre o volume (intensidade) do instrumento e o restante do conjunto.

 

 Jacob do Bandolim, mais pela expressividade conseguida que pela alta técnica, o rigor e a consciência musical, faz-se talvez, a maior figura do instrumento em todos os tempos na música do Brasil, trazendo-o para o primeiro plano, formando um sem-número de instrumentistas, valorizando-o como sonoridade e, sobretudo, conseguindo acentuar-lhe tanto a função de apoio rítmico e harmônico como o caráter cantante. A sonoridade limpa, a capacidade de falar pelo beliscado das cordas e a criatividade necessária a contrapontos únicos, dialogando com cantores quando, em segundo plano, deram-lhe a condição de imortal de nossa música.

 

 

 

CARIOCA DA LAPA

 

 

 Jacob Pick Bittencourt nasceu no Rio de Janeiro, a 14 de fevereiro de 1918. O pai era farmacêutico, Francisco Gomes Bittencourt, capixaba de Cachoeiro do Itapemirim. A mãe, polonesa, Raquel Pick, foragida da Primeira Grande Guerra. Foi criado no bairro da Lapa - formação, portanto, profundamente carioca. Os pais não eram especialmente chegados à música. A vocação por esta arte, porém, manifestou-se desde cedo no menino Jacob. Cantou no coro do colégio, e mais ou menos em 1930/31, na rua Joaquim Silva, 97, onde morava, maravilhou-se com a sonoridade de um violino tocado por vizinho. Era um francês cego. Obsessionou-o o som do instrumento e deslumbrou-se com a possibilidade de retirar música de um objeto. A mãe não o bloqueou e deu-lhe um violino, mas sem professor, que a esses luxos não se podia entregar o farmacêutico Seu Francisco, Jacob começou a inventar maneira nova de tocá-lo, por ter dificuldades com o arco: percutia as cordas com um grampo de cabelo da mãe. A forma anômala de tocar instrumento tão nobre irritou-a, e discutiram até que uma vizinha resolveu a questão de modo sábio: deu-lhe, dias depois, um bandolim de "cuia", que era como se chamava o modelo napolitano. O bandolim era tudo o que o menino, ao beliscar as cordas do violino, intuía, porém não sabia existir.

 

Jacob jamais teve professor de bandolim. Foi tirando os sons e se aperfeiçoando segundo o que ouvia. Com quinze anos era razoável instrumentista. Chegou a tocar na Rádio Guanabara, com um conjunto de rapazes, seus amigos. Não gostou da experiência. Sentiu-se ainda despreparado. Voltaria a tocar em rádio no ano seguinte, 1934, agora empunhando um violão e para acompanhar um fadista, juntamente com outros instrumentistas típicos. Segundo contava o próprio Jacob, os acompanhantes dos fadistas entusiasmaram-se com seu modo de marcar o tempo do fado, fruto, por certo, de sua inexperiência como violinista e de certos hábitos oriundos do modo de tocar bandolim.

 

Entusiasma-se e no ano seguinte forma o conjunto batizado por Eratóstenes Frazão (conhecido compositor e homem de rádio): Jacob e sua Gente . Por aí começava a carreira de grande instrumentista: o conjunto obteve o primeiro lugar em importante concurso organizado pela Rádio Guanabara e promovido pelo jornal O Radical. Para uma idéia do júri: Benedito Lacerda, Orestes Barbosa, Cristóvão de Alencar, Francisco Alves e Eratóstenes Frazão, entre outros, inclusive o representante do patrocinador, a conhecida loja "O Dragão", que se anunciava no rádio de antigamente como "A Fera da Rua Larga".

 

       Jacob sempre tocou de ouvido até 1949 quando, instrumentista já acatado e famoso, justamente por isso, sentiu necessidade de estudar música, o que fez com o empenho que acompanhava todos os seus atos e lhe era característico de comportamento. Pelo rádio e em inumeráveis saraus, tardes de choro ou shows, foi consolidando técnica e cultura musical; sobre o choro, principalmente. O temperamento aplicado e experimental, levou-o a tocar todos os instrumentos, "afinados em quintas justas e vibrados por palheta" como costumava dizer. Buscou até novas sonoridades e invenções. Misturava adaptações com tentativas de invenção e, assim, enveredou em suas horas privadas pelos sons da violinha (invenção sua), do vibraplex, da tuba de cordas, do barítono de dez cordas e, até, de um certo bandolim-brilhante que andava a construir.

 

Temperamento sério. O homem de muita bondade enrustida, pouco riso, severo consigo mesmo e com todos, estudioso, caseiro e familiar, Jacob Bittencourt dividiu a vida entre a família, o bandolim e seu trabalho diário e penoso de escrivão da 11ª Vara Criminal.

 

"Tenho oito bandolins em casa. Depois deles, só tenho dois filhos e minha mulher, uma casa própria em Jacarepaguá e dois jabutis. Estes, aliás, são meus mestres em filosofia. Quando os vejo no quintal, caminhando mansamente, parece que o ouço dizer: a vida é curta e não se deve andar depressa, para não se cansar." (Jacob do Bandolim)

 

 

 

APRENDEU BANDOLIM SOZINHO

 

 

 Jacob pode ser compreendido por algumas características de sua biografia:

 

•  possui formação tipicamente carioca, criado na Lapa, ouvindo os sons dos chorões e dos conjuntos de samba nas décadas de 20 e 30;

 

•  autodidata, aprendeu bandolim sozinho, o que talvez explique a forma peculiar e original de vibrar as cordas dos instrumentos e a íntima relação com suas sonoridades segredantes e confidenciais;

 

•  o elemento nacional ocupa toda a sua formação, pois o autodidatismo, nele, alimentou-se da música feita e tocada nas ruas e nas esquinas cariocas da cidade em começos de urbanização acelerada. Sua escola foi a música real feita nas ruas e tocada nas rádios por compositores e músicos espontâneos, que fixaram o choro como gênero musical típico da cultura carioca, depois exportado.

 

Ao lado dessas razões  de  ordem  sociológica,  há  elementos  pessoais, temperamento, modo  de ser  etc. Jacob possuía as características do estudioso. Promovia tardes de choro e saraus em sua casa, aos sábados, ocasiões nas quais esse gênero de música era cultuado como num templo.

 

"O estado de contrição diante de um choro, lá em casa, é muito exigido ". (Sérgio Bittencourt)

 

A destacar também, sua constante vivência ao lado dos principais músicos de seu tempo, tanto nas gravações como nas rádios shows de então (como exemplo: os acordes iniciais da gravação original do Ai que Saudades da Amélia , de Ataulfo Alves, são do bandolim de Jacob). Além disso, mantinha relações pessoais calorosas com quem considerava respeitável e sério.

 

Nos saraus organizados por Jacob do Bandolim, surgiram Paulinho da Viola, Turíbio dos Santos, Clementina de Jesus e muitos outros. Também como exemplo, diga-se que no dia em que morreu, acometido por segundo e fulminante infarto, vinha da casa de Pixinguinha, a quem visitava com regularidade para trocar idéias. Pixinguinha e Ernesto Nazareth eram seus dois ídolos no choro.

 

Em março de 1967, logo após seu primeiro infarto, Jacob declarou:

 

"Eu nunca tive infarto tão forte como esse. Foi a emoção muito grande que eu recebi ao ser aplaudido de pé pela assistência da Casa Grande, constituída pela juventude de hoje que, como sempre digo, são ovelhas desgarradas. Para mim foi uma grande felicidade ter sido aplaudido por esses jovens cabeludos, que compreenderam naquele instante a minha arte. Eu acabara de executar Lamentos, de Pixinguinha. Na segunda parte de Murmurando, de Fon-Fon, eu não resisti e desmaiei. Entretanto, logo que receber alta dos médicos, voltarei à Casa Grande, porque encontrei naquela juventude um caminho de esperança para a nossa música popular".

 

Na casa de Jacarepaguá, onde ergueu enorme muro dianteiro para obter isolamento e introversão, necessários a seu universo interior, Jacob montou precioso arquivo de artigos, partituras, gravações, tudo, enfim, relacionado com a música popular brasileira genuína e o choro em particular, material, segundo ele, que poderia ter importância para estudiosos do futuro. O arquivo de Jacob passou-se, depois para o Museu da Imagem e do Som.

 

Em 1967, Sérgio Bittencourt, seu filho comentava:

 

"...Seu arquivo tem sido muito falado, mas poucas pessoas já tiveram coragem de transpor a estrada Grajaú- Jacarepaguá, para ir lá em casa conferir. O velho amanhece no arquivo e anoitece...no arquivo. Tem ciúmes de cada papel velho, de cada partitura, de todos os discos e das fitas magnéticas onde guarda farto material gravado. Se souber que uma dona Yayá dessas tem discos antigos, toma o endereço da vítima, entra no "fusca" e parte vidrado em direção à ela. Faz tudo para conseguir o disco e passá-lo para o gravador. Um disco velho para ele é feito balão para menino que chega primeiro: ninguém tasca..."

 

No seu livro Mudando de Conversa , Hermínio Bello de Carvalho pinta com perfeição as tardes de sábado no santuário do choro em que se transformava a varanda da casa de Jacob em Jacarepaguá.

 

"Jacob do Bandolim era uma casa de varandas enormes, gramado espesso e muros altos que mal deixavam desvendar a pessoa que ali habitava. Havia códigos rígidos para freqüentá-los, a casa e o coração: quem não os seguisse sofria punições terríveis. A pior delas, a mais temida, era a de ser expulso dos saraus que Jacob promovia aos sábados ou domingos ou quando lhe desse na telha. Telha portuguesa, dessas de loiça bordada de florões azuis: frágil, portanto, embora resistente às chuvas e aos raios que ele fazia partir-se sobre as cabeças ruins, os maus músicos, os intrujões, os de ouvidos duros aos sons que inventava ou fazia inventar. Era um alquimista perseguido por uma insônia invencível e que muitas vezes o fazia pegar o carro de madrugada e ir tocar sozinho numa praia distante. Ou, então, isolar-se em seu estúdio, onde tudo, absolutamente tudo, ostentava as suas digitais: a máquina de escrever adaptada para fichas elaboradas por ele, e que eram síntese das que mandava buscar nas bibliotecas do Vaticano, da Casa Branca ou dos museus que ele fazia fuçar com sua curiosidade inesgotável. Entravam as fichas no rolo da velha Remington e se ajustavam, milimétricas, e tinham até pentagrama para grafar a melodia principal. E serviam tanto para discos, livros e partituras como para recortes de jornais, receitas de bolo e anotações sentimentais. Suas estantes eram também personalizadas: aplicava uma cera para que os envelopes dos discos de 78 rotações deslizassem sem arranhaduras, qual cisnes negros em noites de lua. É claro que não eram envelopes comuns: tinham gramatura especial. Como ele, Jacob do Bandolim, era também um ser especial e que tinha às mãos e ao coração uma acolita de nome Adília que forjava insônias e acomodava-se às suas rabugices, à sua busca da perfeição. Listas e mais listas para tudo: quantos pares de meias e os remédios para a viagem, as tarefas a serem cumpridas e, cada dia da semana; telefonar para o Altamiro cobrando a partitura do Callado; já expirava o prazo do empréstimo; não fazê-lo esquecer da bronca no Lúcio Rangel por ter mijado no jardim; telefonar desaforadamente para o Hermínio cobrando a ausência no último sarau, aproveitando para identificar a fita do Nelson Cavaquinho que o maravilhara; não esquecer-se de rever os pneus do carro de Helena, sua filha adorada, ou de espinafrar o filho que todos supunham fosse de seu especial desagrado e não era; e enfim ocultar tanto quanto possível que ali detrás dos muros altos, do gramado espesso e do corpanzil desajeitado pulsava um coração generoso - porque era de gargalhar pouco, mas quando o fazia era de estremecer as paredes, e quando acarinhava o fazia desajeitado, tropeçando nos buracos de seu próprio destrambelhamento."(...)

 

Temperamento e comportamento típicos de homem de classe média, de sólida e rígida formação moral, caseiro, o chamado "exemplo" de marido, cidadão e pai, Jacob era implacável com falta de seriedade, leviandade em qualquer plano e superficialidade no trato da música. Os profissionais veneravam-no, temendo-o. Tocar com ele era façanha para músicos experientes: não tinha tempo e paciência para quem não fizesse da música motivo de respeito, aperfeiçoamento e conhecimento crescentes. Quando encontrava bons instrumentistas jovens, gostava de aperfeiçoá-los.

 

Sérgio Cabral dizia que:

 

 "Um oLhar de Jacob dirigido a um músico que errou durante uma execução, era mais violento do que qualquer espinafração."

 

Com um "temperamento puramente emocional", segundo seu filho Sérgio Bittencourt, Jacob amava a boa música e sobre ela manifestou-se certa vez:

 

"Boa música é aquela que nos deixa em estado de infarto."

 

O resultado dessa mistura de capixaba com polonesa, menino da Lapa, instrumentista dos anos iniciais e dos anos áureos do rádio no Brasil, com enorme talento natural e autodidatismo, misterioso intérprete, compositor e pesquisador formaram um artista capaz de alçar o (aparentemente) modesto bandolim a grandes alturas musicais. Como executor solista, acompanhador, organizador e arranjador de conjuntos; como compositor de choros, valsas; como cultor dos gêneros populares brasileiros por ele estudados, pesquisados e defendidos, Jacob Pick Bittencourt deixou obra única em nossa cultura musical urbano/popular. Flagrante elucidativo do trânsito de Jacob autodidata ao Jacob músico completo, pode-se ver através da carta que o bandolinista enviou a Radamés Gnattali, quando honradíssimo, se preparava para solar a obra Retratos , que Gnattali escreveu para ele tocar com orquestra. Ei-la:

 

" Meu caro Radamés:

 

Antes de Retratos, eu vivia reclamando: "É preciso ensaiar..." E a coisa ficava por aí, ensaios e mais ensaios.

 

Hoje, minha cantilena é outra. "Mais do que ensaiar, é necessário estudar". E estou estudando. Meus rapazes também (o pandeirista já não fala mais em paradas). "Seu Jacob, o Sr. Aí, quer uma fermata? Avise-me, também, se quer adágio, moderato ou vivace..." Veja, Radamés, o que você arrumou. É o fim do mundo.

 

Retratos: valeu estudar e ficar fechado dentro de casa, durante todo o Carnaval de 1964, devorando e autopsiando os mínimos detalhes da obra, procurando descobrir a inspiração do autor no emaranhado de notas, linhas e espaços e, assim, não desmerecer a confiança que em mim depositou, em honraria pródiga demais para um tocador de chorinhos.

 

Mas o prêmio de todo esse esforço foi maior do que todos os aplausos recebidos em 30 anos: foi o seu sorriso de satisfação. Este é que eu queria, que me faltava e que, secretamente, eu ambicionava há muitos anos. Não depois de um chorinho qualquer, mas sim em função de algo mais sério. Um sorriso bem demorado, em silêncio, olhos brilhando, tudo significando aprovação e sensação de desafogo por não haver se enganado. Valeu. Ora, se valeu.

 

E se hoje existia um Jacob feito exclusivamente à custa de seu próprio esforço, d'agora em diante há outro, feito por você, pelo seu estímulo, pela sua confiança e pelo talento que você nos oferece e que poucos aproveitam.

 

Meu  bom  Radamés:  sinto-me  com  15  anos  de  idade,  comprando  um bandolim  de cuia e um método simplório na loja do Marani & Lo Turco, lá no Maranguape. Vou estudar bandolim.

 

Que Deus, no futuro, me proteja e Radamés não me desampare.

 

Obrigado, Mestre.

 

Jacob" (assinado)

 

NB - Perdoe-me. Sei que você fica inibido com elogios de corpo presente. Daí esta carta. Sua modéstia julgará que é absurda, sem motivo e, até mesmo, ridícula. Mas eu tinha que escrevê-la agora, para não estalar de um enfarte, tá ? (Clique aqui e veja o original dessa carta)

 

 

 

UM BANDOLIM NACIONALISTA

 

 

Deve-se examinar a obra de Jacob do Bandolim, igualmente pelo aspecto de seu acendrado nacionalismo. Não era nacionalismo provindo de convicções políticas e ideológicas, mas de uma espécie de consciência instintiva do valor e significado da música do Brasil. Uma vez mais, a verdade formulada com precisão, quando se disse: "pinta a tua aldeia e serás universal". Jacob pintou a sua aldeia, a cidade do Rio de Janeiro, antes da vertiginosa expansão urbana e populacional. Nascido em fins da segunda década do século, foi menino e rapaz na Lapa nos anos 20 e 30, quando a cidade viveu os primórdios de seu acelerado processo de urbanização, sem perda, porém, a esse tempo, dos valores nela misturados pelas influência portuguesa, negra e por algo de seu, de próprio e intransferível, que o Rio criava com um certo orgulho cosmopolita, típico de capital do País.

 

O choro é expressão musical dessa rica mistura. Produto próprio ao Rio de Janeiro: o ritmo brasileiríssimo, a instrumentação adaptada de instrumentos locais e internacionais, a improvisação e a criatividade como marcas, a herança da alma brasileira e da nostalgia lusitana nas suas origens (os chorões) e a alegria, a capacidade de ironizar, brincar, contra-atacar pela malícia, próprias às componentes temperamentais do carioca de então.

 

Tais elementos foram decisivos na formação musical de Jacob. Curioso: o filho de uma polonesa viria a se transformar num dos brancos mais ajustados aos fundamentos negros da música e do ritmo do Brasil, em seu processo de ascensão das senzalas, da escravidão e da opressão cultural, para o consumo das platéias brancas e das classes sociais privilegiadas, as dominantes dos processos culturais e econômicos.

 

Jacob gravou seu primeiro disco como solista em 1947, com a gravação de Treme-Treme e Glória , um 78 rotações que vendeu quase 25 mil cópias. A partir daí, seus sucessos foram freqüentes, sempre guardando a maior fidelidade ao choro. Em entrevista, Jacob declarou:

 

"O comprador do meu disco não pergunta ao vendedor da loja o que foi que gravei. O que ele quer saber é se saiu um disco novo meu. Você já pensou se leva esse disco para casa e ouve um bolero? Fico desacreditado para o resto da vida."

 

      Esta decisão pelo elemento nacional deu-se de modo mais ou menos paralelo ao ocorrido na cultura chamada erudita. A Semana de Arte Moderna, capitaneada por intelectuais de formação européia, possuía forte componente nacionalista. Quando ocorreu, em 1922, já o povo realizara a revolução cultural em sua música. Jacob não era proveniente de segmentos intelectuais, mas, como todo bom filho da classe média ascendente, teve seus estudos completos (formou-se em Contabilidade) em bons colégios, sendo surpreendente, talvez, a sua opção por música popular e rádio, embora, por outro lado, a busca de uma profissão "garantida", a de escrivão da justiça (11ª Vara Criminal), e de uma família estável e bem organizada não compusessem o perfil boêmio habitual a artistas populares.

 

No seu livro Ensino sobre a Música Brasileira , escrito em 1928, Mário de Andrade diz que uma arte nacional não surge, necessariamente, de uma escolha mais ou menos lúcida, ou mesmo diletante, de elementos comuns à nacionalidade, mas a opção por uma estética nacional "já está feita na inconsciência do povo". Com efeito, uma série de elementos inconscientes, profundos, arraigados, sem formulação racional ou lógica, explodiam na sensibilidade dos artistas cariocas populares alguns anos após transformações radicais na vida da cidade e do País: a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e o fim da Primeira Guerra Mundial, ocasião em que se aprofundou no Brasil a consciência da necessidade de se industrializar e se preparar para a modernização. Igualmente, o acelerado processo de urbanização transformando a cidade em poucas décadas, foram determinantes ocultas, inconscientes, talvez, para o nascimento e aprofundamento da consciência nacionalista que, após a geração de Jacob do Bandolim desapareceria de nossa música popular, invadida que foi, como a de todo o mundo, pelo processo de internacionalização típico da expansão tecnológica e industrial - de corte multinacional - ocorrido após a outra guerra mundial, a segunda.

 

Bom exemplo das posições intransigentes de Jacob, relativas à pureza brasileira de nossa música, aparece em carta que enviou ao escritor Sérgio Cabral, ao tempo da bossa-nova. Eis alguns de seus trechos.

 

Diz Sérgio Cabral:

 

"No auge da bossa-nova, a música tradicional brasileira estava por baixo. Tudo feito antes da BN era uma porcaria - segundo alguns bossanovistas da época. Participei de um debate na TV (com o radialista José Mauro) sobre o assunto e Jacob me mandou uma carta não só manifestando a sua solidariedade à minha posição como também expondo os seus pontos de vista sobre os vanguardistas do início dos anos 60. Eis um trecho da carta de Jacob do Bandolim:"

 

"Confundem arte com ciência, como se àquela fosse necessário o progresso que a esta é imprescindível. Não estranham, imbuídos de tanta má-fé, a eternidade da obra daqueles que, em todas as artes, honestos e inspirados morreram na miséria mas abraçados aos seus ideais, às suas paixões, às suas normas artísticas. Fazem poesia com régua ou esquadro e é o que entendem de métrica. Na ânsia de renovar ou morrer, tudo destroem, arrasam o que estava certo, eliminam, sem qualquer sentimento nativo que não o da macaquice, as mais autênticas inflexões da nossa música, reflexo de um povo simples. E o que é mais triste: sente-se que, se quisessem, poderiam compor boas obras. Suas composições jazzísticas são estranhas ao sabor popular, alimentadas, em grande parte, por músicos fadados ao ostracismo e que precisavam, para não perecer, de uma oxigenação. Quer ver? Quando pela primeira vez, ouvi Chega de Saudade e soube que era do Jobim, senti que havia algo errado. Graças a Lúcio Rangel, com ele travei conhecimento do Bar Zepelin e, inopinadamente, perguntei-lhe como era, realmente, aquele samba. Jobim surpreendido, respondeu: "Como é que você sabe que as 17 gravações estão todas erradas?" E apresentou-me com a versão do samba, tal afirmando na dedicatória, sob a melodia escrita num retalho de papel de música e que, com carinho, guardo no meu arquivo. Eis aí, meu caro, os 17 (dezessete, veja bem), não conseguiram reproduzir, nem deturpar - isso por não entenderem - aquele lindo samba que, não fora aquela malfadada "batida" de violão com que o acompanham e que tanto entusiasma José Mauro, seria, por certo, atribuível a J. Cascata ou a Ataulfo Alves. E Lúcio, quando o ouve como é, por um bandolim, dois violões e um cavaco, sente incríveis prazeres. É simples obter tal efeito: basta acompanhá-lo à brasileira."

 

 

FILHO QUE RETRATA O PAI

 

 

No dia em que Jacob estaria completando 60 anos (vivo fosse), o jornalista Jésus Rocha, de Última Hora , à época editor do "Segundo Caderno", pediu ao filho, Sérgio, um depoimento sobre o pai. Ao correr da máquina, Sérgio Bittencourt, jornalista e compositor, escreveu comovente texto acerca da pessoa de Jacob do Bandolim. Eis o retrato que o filho hipersensível traçou do pai, idem:

 

"Sou avesso a biografias, cronologias, datas, números, quando se trata de querer saber quem é quem, quem foi quem. Muito mais hoje, 14 de fevereiro de 1978, dia em que, se vivo estivesse, o cidadão Jacob Pick Bittencourt completaria, ao lado de poucos, porém, enquanto vivos, fiéis amigos - nada mais do que 60 anos de idade.

 

Filho de uma polonesa da cidade de Lodz, refugiada da Primeira Grande Guerra e de um pacato, quieto, injustiçado - até pelo filho farmacêutico vindo de Cachoeiro do Itapemirim, o Sr. Francisco Gomes Bittencourt (lá ia eu esquecendo de registrar o nome "duvidoso" de minha avó paterna; a colônia de judeus a chamava de "Regina". No registro estava Sra. Raquel Pick).

 

A bem da verdade, "Regina" era o chamado "nome de guerra". Jacob nasceu na maternidade de Laranjeiras, fruto de um descuido da polaca e do tranqüilo dono da farmácia Bittencourt, na Rua Uruguaiana, ao lado da "Casa Garson". Nasceu e ficou nascido! Cresceu na Rua Joaquim Silva e na Avenida Gomes Freir e.

 

Estudou no "Anglo Americano", depois de conhecer de perto e ser protegido em menino, por Miguelzinho, Edgar, Camisa Preta.

 

Do "Anglo Americano", onde jogou basquete e não cantou o hino em homenagem ao Príncipe de Galles, preferindo, pela vez primeira, "bater gazeta", o que lhe resultou fratura na perna em três partes, foi para o CPOR e trabalhou no arquivo do Ministério da Guerra.

 

Já tocava bandolim. Donga, mestre Donga, foi quem o convenceu a prestar concurso para a Justiça - cargo: Escrevente Juramentado. Passou em 13º lugar. Na ordem de classificação, vindo de fora, obteve a 1ª colocação. Afinal estava na hora, mulher, dois filhos, sendo um deles, o mais velho, portador de hemofilia, o jeito foi meter a cara nos livros e ir para a grama da Quinta da Boa Vista, onde minha mãe lhe tomava os pontos e com muito amor, ternura e subserviência, lhe preparava lautos sanduíches de pão com pão!...

 

Nem para uma rapinhada de manteiga, dinheiro havia. Havia, sim: garra. De ambos. Dois filhos, uma vontade de responder ao mundo mais ou menos nestes termos:

 

- Nasci de uma aventura, cresci no meio do lixo, conheci o lixo, não vivi dele, meu velho pai era quem pagava tudo e eu não sabia, ou tocador de bandolim, artista de rádio ou marginal, como querem, mas, um dia vou ser a lei. E foi.

 

Embora filho da velha polonesa resmunguenta, que amava mais o papagaio de estimação do que o próprio chamado "fruto do seu pecado" - no caso ele - Jacob só fez lutar, na vida. Eu seria mais franco se dissesse - e vou dizer: Jacob só fez brigar na e pela vida. Minha avó paterna, doce criatura para os netos e o marido, massacrou-o bastante. Ele resistia por amor. Adylia Freitas Bittencourt, sua mulher, era tudo para ele - menos na música. Ele era a criatividade. Ela, o artesanato. Sabia de todas as suas preferências: arroz, muito arroz, bife e batatas fritas. Doces, todos os doces. Pegou-o pelos beiços e soube segurá-lo até o dia 13 de agosto (sempre insano agosto!), de 1969, quando dirigindo sozinho seu carro, Jacob chegava à sua casa, em Jacarepaguá, vindo da residência de um de seus poucos ídolos, Pixinguinha, já ofegante, avisando que estava morrendo, sendo recostado pela mulher e o sogro no chão da grande varanda - onde morreria.

 

Eram 6 horas da tarde.

 

Diagnóstico: infarto e edema pulmonar.

 

Já estava fumando seis maços de cigarros por dia. Fez de tudo para largar o único vício, de tratamentos psiquiátricos, até solenes sessões de macumba e hipnose. Nada adiantou. Não jogava, não bebia, em futebol seu time chamava-se "Zizinho Futebol Clube". Fumava. Apenas.

 

 Um temperamento puramente emocional. Chorava e xingava, numa fração de segundo. Quando ouvia um "acorde" bem feito ao violão, não se continha e gritava:

 

 - Bonito!!!

 

Amava, com a mesma força e sinceridade, seus dois pólos opostos: a Justiça onde chegou a Escrivão-Chefe da 11ª Vara Criminal e a Música; o estudo, a busca, a análise da genuína música popular brasileira.

 

Jacob do Bandolim.

 

Sempre nos amamos, com o amor sério e fiel de dois guerreiros, muitas vezes em trincheiras opostas.

 

O que fiz por ele, fiz e não digo. O que fez por e de mim, foi um tudo. Me lembro: jamais me mentiu. Era capaz de esbofetear um mentiroso, apenas pela mentira. Fosse de que gravidade.Me lembro:

 

Papai, vai doer?

 

A perna toda roxa, a enfermeira da Santa Casa, ele: Vai!

 

No dentista: Muito, papai?

 

Ele: Bastante.

 

Repito e gosto de repetir: jamais me mentiu. Mas, nos momentos em que estive "cara a cara" com a morte, ele também não me mentiu. E, como nas outras ocasiões, não me mentiu, mas soube, sempre, me estender a mão. Quando eu agarrava, mordia, deixando naquelas mãos santas de datilógrafo e músico, as marcas incuráveis da minha dor. De tudo que me ensinou, certo ou errado, hoje, dentro dos meus já então parcos e paupérrimos preconceitos, retiro, inapelavelmente, uma solução, uma saída, uma parada para pensar, um pouco de coragem para enfrentar, muita coragem para não "aderir" - na última das hipóteses, um sofisma, uma frase feita - estamos conversados!

 

Seus ídolos: Almirante, Orestes Barbosa, Noel Rosa, Nonô (pianista, tio de Cyro Monteiro e parente de Cauby) Bonfiglio de Oliveira, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Sinhô e Frei Fabiano, que passou a viver promiscuamente, com alguns "orixás", dos mais respeitáveis que surgiam lá em casa para tentar dar um jeito nas três úlceras duodenais, na vesícula (que acabou extirpada), na hipertensão, que Dr. Manoel sempre agüentava, no "bico de papagaio", da eterna suspeita de câncer, na doença incurável do filho.

 

Meu pai, em momento algum admitiu morrer. (Observem : seu ídolo, Pixinguinha, morreu dentro de uma igreja. Ele, na hora santa da "Ave Maria". Não sei, não, mas a vida às vezes, nos mostra algum sentido.        )

 

Estudou Ernesto Nazareth tanto, que agindo policialescamente, uma espécie de "Holmes Jacarepaguense", provou, pericialmente, que o grande pianista e compositor suicidou-se, quando passeava pelas matas do sanatório da Taquara, num rápido e fatal estado de lucidez. Percebendo-se louco, deixou-se morrer afogado. Desta tese, meu pai não admitia nenhuma contrapartida.

 

Um dia apaixonou-se pela fotografia. Comprou todo o equipamento, ingressou na ABAF e concorreu com uma foto de uma máscara de ráfia com fumaça em 1º plano. Venceu. Era o que queria.

 

Não foi homem de botequins. Gostava do "ajantarado" dos sábados e domingos. Sempre naquela mesa. Regime: absolutamente patriarcal. Depois do almoço, ia dormir. O silêncio se fazia, debaixo de todos os medos.

 

E ensaiava. Ensaiava sempre, com seu conjunto, que, de repente, ele chamou de "Época de Ouro". Além da sua genialidade, só deu à MPB Elizeth Cardoso - e precisava mais? - e esse menino, Déo Rian.

 

Sentia-se um pouco "guru" de pessoas como Sérgio Cabral, Hermínio Bello de Carvalho, Ricardo Cravo Albin, a quem respeitava muito, embora, como secretário do tal Conselho Superior de Música Popular Brasileira, discutissem sempre. Ricardo, verdade seja dita, "perdeu" a discussão com ele, apenas por uma simples, porém fatal, questão de tom de voz. Meu pai a tinha linda. Ele próprio, era lindo. Exatamente: um homem lindo. E sabia disto. O que lhe faltasse, talvez, em cultura, sobrava-lhe em inteligência e tirocínio e emoção. Algumas vezes esteve para morrer...diante do belo! Era homem de saraus, que amanheciam. Incrível: "Escrivão Criminal", respeitadíssimo na Justiça conseguia ser também, ladrão. Sim: ladrão! Ele sabia que você guardava um disco velho, daqueles da "Casa Edson do Rio de Janeiro". Aí ele pedia para ele. Você não dava. Então, cismava que você deveria emprestar o disco para ele passar para a fita magnética. Você dizia "não". Ele simplesmente, furtava. Em casa, no seu Arquivo, muito mais do que um santuário, passava pro gravador, para partitura, pro microfilme e devolvia. Quando devolvia, sejamos sinceros.

 

Ah, sim outros ídolos: - Radamés Gnattali, Paulo Tapajós, João Pernambuco, Capiba, Luiz Vieira. Detestava o Carnaval: não perdia um desfile de frevos! Vibrava. Chegou a compor e gravar alguns. Dormia cedo, para acordar de madrugada e se enfurnar no seu Arquivo. Ali, era a "Toca do Leão". Lá conviviam, em perfeita harmonia, seus sonhos e realidades; suas buscas e certezas; seus mortos e vivos.

 

Suas duas manoplas, tanto serviam para batucar, numa ligeireza fantástica, a máquina de escrever durante o interrogatório (odiava ladrão), como para criar um som que nunca foi de bandolim.Foi dele.

 

O que Luperce Miranda fazia com estrondosa agilidade, ele fazia com humildade e sentida emoção. Tocava de olhos fechados, apertando o minúsculo e pobre instrumento contra o peito. Muitas vezes, chorou tocando. Ou melhor: sempre tocou chorando.

 

Admirava a cultura musical de Lúcio Rangel e de Tinhorão. Era um radical. Sempre foi, um radical que se anunciava "tradicionalista". Mas, que, numa certa noite de 1969, no Teatro João Caetano, ao lado de Elizeth e do Zimbo Trio, tocou de tudo - e quando resolveu executar o "Chega de Saudade", ficou estabelecido que, realmente, ninguém mais poderá tocar alguma obra de Tom e Vinícius!

 

Uma noite! Uma lou cura!

 

Hoje, sinto pena de seus amigos, da sua mulher e de minha irmã. Todos viram-no morto.

 

Eu, não. Cumpri sua ordem.

 

Toda vez que ele me vem à mente - e me vem sempre - ou é discutindo com um cassetete na mão e um "32" na outra, ou é interrogando, com a carranca fechada, um punguista da Central, ou é me ensinando naquela mesa, o que, para ele, significava "viver melhor" - ou tirando do seu bandolim, o som liberto e puro do coração.

 

Do coração.

 

Aos 37 anos de idade, descrente e exausto, sem Deus nem diabo, é que posso afirmar: Jacob Pick Bittencourt foi mais do que um pai. Do que um Amigo. Do que um Ídolo. Foi e é, para mim, um homem.

 

Com todas as virtudes, fraquezas, defeitos e rastros de luz que certos homens, que ainda escrevemos com "agá" maiúsculo, souberam ou sabem ser.

 

 E homem com H maiúsculo, para mim é Gênio.

 

Tenho certeza e assumo: não sou nada, porque, de fato, não preciso ser. Me basta ter a certeza inabalável de que nasci do Amor, da Loucura, da Irrealidade e da Lucidez de um Gênio."

 

SÉRGIO BITTENCOURT

 

 

 

PEDAÇOS DA OBRA DE JACOB

 

 

A obra de Jacob do Bandolim faz-se principalmente como compositor e solista. Está, no entanto, dispersa em centenas de gravações nas quais não aparece seu nome ou diluída nos conjuntos dos quais fez parte ou por ele organizados. Com a notoriedade de Jacob como solista a partir de fins da década de 40, começa a gravar discos como protagonista individual ou dos citados conjuntos. Destes, o mais famoso veio a ser justamente o que organizou já perto de morrer, o "Época de Ouro", com o qual gravou os elepês Chorinhos e Chorões e Vibrações .

 

Antes dessa época, aparece como solista em alguns discos. Sua primeira gravação como tal, data de 1947 - é o disco 78 Rpm, com o chorinho Treme-Treme (de sua autoria)e, de outro lado, a valsa de Bonfiglio de Oliveira (uma de suas maiores admirações) intitulada Glória.

 

Quando Jacob morreu, famoso e respeitado, já como solista e cultor de nossa música genuína, os seguidores perceberam haver inúmeras composições gravadas, mas ainda hoje longe do grande público, como o citado Treme-Treme , o Noites Cariocas , a valsa Salões Imperiais , o chorinho Remelexo , o Cabuloso. Também de sua lavra é o choro-canção Jamais , em parceria com Luiz Bittencourt.

 

Há uma obra instrumental de Jacob, gravada em 19/04/64 e que merece registro. Intitula-se Retratos e foi escrita por Radamés Gnattali para ele e com a finalidade de ser interpretada. Perfeccionista em tudo o que fazia, Jacob estudou-a profundamente e, na carta a Radamés, antes publicada, relata os cuidados com a execução como retribuição ao fato de haver merecido uma obra do mestre, a ele dedicada. A esta época, Jacob se formara autodidata, mas resolvera estudar música para aprimorar-se. Já adulto e profissional, em 1949 conta, igualmente, a Radamés Gnattali, a influência da música estudada em intérpretes espontâneos como os de seu grupo de choro. A gravação de Retratos pode ser considerada, hoje, uma preciosidade, infelizmente fora do consumo dos milhares de admiradores tanto dele como de Radamés Gnattali.

 

O livro-estudo-pesquisa mais completo até hoje feito sobre o choro no Brasil é Carinhoso Etc.. de Ary Vasconcelos e que tem por subtítulo: História e Inventário do Choro . Nele, o musicólogo faz preciso e insubstituível registro da discografia de Jacob, cujo nome escreve sem o B final, o que será respeitado no precioso guia que se segue para quem deseje ou possa conhecer o mais importante do trabalho discográfico do grande instrumentista. Diz Ary Vasconcelos:

 

"É hora de retomarmos a Jacó Bittencourt, dito Jacó do Bandolim. Vimos que ele estreou em 1933, mas que só no final da década de 40 é que teve oportunidade como músico solista. Em 1947, grava seu primeiro disco na Continental: o choro Treme-Treme, de sua autoria, e a valsa Glória, de Bonfiglio de Oliveira. Após ter lançado, por essa gravadora, entre outubro de 1947 e março de 1949, quatro discos, e que apresentou, além de Treme-Treme, outras quatro composições de sua autoria - choros Remelexo e Cabuloso, valsas Salões Imperiais e Feia - ingressou na RCA Victor, onde gravou, entre 1947 e 1969 - ano de sua morte - dezenas de discos maravilhosos, entre 78 Rpm e LP de 10 e 12 polegadas . Alguns dos maiores clássicos de literatura do choro, assinados por Jacó, foram lançados, pois, neste selo: Dolente (choro - 1949); Encantamento (valsa); Pé-de-Moleque , Simplicidade, Choros de Varandas (choros) e Mexidinha (polca), todos de 1950; Doce de Coco, Cristal, Vascaíno, Nostalgia (choros), Vale Tudo (partido alto) e Bole-Bole (samba - 1951); Eu e Você, Migalhas de Amor, Gostosinho (choros) e Biruta (partido alto - 1952); Nosso Romance, Reminiscências, Tatibitate, Por que Sonhar, e Entre Mil... Você (1953); Feitiço, Bola Preta e Saliente (choros); Vidinha Boa, Mazurca e Santa Morena (valsa - 1954); Alvorada, Benzinho, Ciumento, Sempre Teu (choros) e Mimosa (polca - 1955); Diabinho Maluco e Carícia (choros - 1956); Isto é Nosso e Noites Cariocas (choros - 1957); Implicante e Mágoas (choros - 1958); Velhos Tempos (choro - 1959); Assanhado (samba - 1961); Falta-me Você (choro - 1962); Vibrações e Pérolas (1967). E, naturalmente deixaria perpetuados também, na mesma gravadora, páginas definitivas de outros mestres do gênero, como Callado, Álvaro Sandim, Juca Kalut, Mário Alvares, Ratinho, João Pernambuco, Pixinguinha e tantos outros., Inexplicadamente, entretanto, nunca levaria ao disco nenhuma página de seu amigo Cândido Silva, com quem tantas vezes tocou e, pelo que sei, tinha grande admiração. Aliás, todos os cadernos de Candinho, em que se reúnem centenas de composições do célebre trombonista, iriam enriquecer o arquivo de Jacó, hoje incorporado no Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro".

 

Dispersas, ocultas do Brasil, pouco tocadas em rádios e raramente gravadas, as obras de Jacob ainda necessitam de muita divulgação e melhor conhecimento por parte do público. A internacionalização de nossos produtos musicais e o boicote à música brasileira ocorrido na maioria das emissoras de rádio e televisão do País, além da invasão avassaladora do rock e de esquemas internacionais impostos pela sociedade de mercado, afastam-nos da obra de um compositor e instrumentista de seu vulto. Oxalá, alguém, um dia, corrija tais distorções.

 

A importância de Jacob Pick Bittencourt então será vivenciada por todos.

 

 

 

HOMENAGENS - LEMBRANÇAS - OPINIÕES

 

 

O Jornal - 25/02/67

 

 "O compositor Jacob Pick Bittencourt, mais conhecido como Jacob do Bandolim, pelo estilo singular com que toca o instrumento e por ser um dos melhores improvisadores no "choro", ao lado de Pixinguinha, em todo o brasil, gravou sua vida e suas aspirações de músico, durante cerca de três horas, ontem, no Museu da Imagem e do Som, onde ficará para a posteridade.

 

A "voz" de seu bandolim, entretanto, não foi gravada nos 2.400 pés de fita, porque o compositor não o levou, tendo comentado e lamentado o fato com Ricardo Cravo Albin, diretor do MIS, antes do início da entrevista, da qual participaram também como entrevistadores, os cronistas Sérgio Cabral e Sérgio Bittencourt."

 

 

 

Jornal do Brasil - 14/08/69

 

"Em Jacob é preciso separar três personalidades musicais distintas, embora elas se fundam em uma só para definir o que ele foi entre os maiores nomes da música popular brasileira. Nele, o pesquisador sério, o compositor inspirado e o instrumentista inigualável. O pesquisador foi responsável, em parte, pela sobrevivência de valsas e choros de Ernesto Nazaré, até então executados apenas ao piano, e sobretudo pela eternidade do gênero que consagrou os grandes chorões das décadas de 20 e 30. O compositor, inspirado na mesma fonte de que se serviriam aqueles chorões, deixou-nos algumas peças valiosas em todos os gêneros: valsas, choros, sambas. O instrumentista - a quem Radamés Gnattali dedicou uma das partes de sua suíte Retratos - está entre os maiores de todos os tempos...

 

Na fina sensibilidade que caracterizava suas execuções, ao mesmo tempo pessoais e fiéis às origens da música popular brasileira; na insuperável técnica do improviso; na sempre imprevisível capacidade de renovar num instrumento, segundo alguns, limitado - dão-lhe o lugar que há muito tempo ocupa, ao lado de Nazareth e Pixinguinha - entre os nossos eternos chorões.

 

 

 

Lúcio Rangel - Correio da Manhã - 14/08/69

 

"Jacob foi um dos maiores instrumentistas da música popular brasileira. Possuidor de técnica assombrosa, juntava a esta uma sensibilidade de verdadeiro artista. Profundo conhecedor da música instrumental brasileira, seu repertório era imenso e ia desde os clássicos populares até os choros e valsas que ele mesmo compunha, dentro das formas tradicionais do nosso populário."

 

 

 

Correio da Manhã - Departamento de Pesquisa - 14/08/69

 

"Jacob está na sala de visitas de sua casa, em Jacarepaguá, em meio a um grupo seletíssimo de artistas, médicos, jornalistas e intelectuais... já tocou Nazareth, Pixinguinha e peças de sua autoria, ouve-se, à "meia-voz", um Noturno de Chopin. Em diagonal, defronte a Jacob, um homem alto, louro, de feições suaves, mas firmes, presta-lhe toda a tenção. Orandino e César Faria, a maravilhosa dupla de "baixaria" não acompanham a melodia que se desenvolve em constante pizzicatto. As cordas são suavemente premidas, e os sons se alteiam ligeiramente. O homem louro fixa seu olhar suave no jogo dos dedos de Jacob. Ao último acorde, Sergei Dorensky, um dos maiores intérpretes de Chopin, levanta-se da cadeira, bate palmas vigorosamente, embevecidamente, como convém a um virtuose russo, e exclama em seu sotaque carregado: "Fantástico! Fantástico!"

 

Um leve sorriso se desenha nos lábios de Jacob. Todos os que lhe são mais chegados conhecem aquele sorriso. Terrivelmente consciente de seu tentacular potencial de artista, pessoalmente ou através de qualquer meio de comunicação, a capacidade de transfigurar o choro clássico, imprimindo sempre a marca do gênio, cada vez que tocava, era uma constante. Mas à vibração desse músico, que transformava a exibição do Época de Ouro em verdadeiros concertos camerísticos, havia uma disciplina de ferro e uma vontade de aço em fazer bem uma gravação, uma apresentação ou uma audição para amigos, para os quais ele tanto se comprazia em tocar. Era um homem difícil porque não era possível de ser medido pelo gabarito comum...

 

Graças à Jacob, cujo talento os deuses souberam a quem e porque dotar, praticamente toda a obra de Pixinguinha e Nazareth está gravada, além da sua própria, significando dentro do nosso cancioneiro, muito mais que um excelente documentário discográfico: é o acervo dos mestres e do seu próprio, na síntese de nossa eternidade musical, do mais puro e mais belo dos sons do nosso ontem, do nosso hoje, para o amanhã do Brasil choro, da Pátria seresta... Jacob não deve ser chorado, mais ainda na esperança de que, ciclicamente, ele aconteça de novo daqui há cem anos."

 

 

 

Diário de Notícias - 14/08/70

 

"Numa homenagem ao compositor e musicista Jacob do Bandolim, morto há exatamente um ano, o Museu da Imagem e do Som inaugurou ontem, a sua última sala de aula, com o nome e o retrato do compositor e bandolinista. Coube à sua viúva, dona Adylia e sua filha Helena, descerrarem o pano que cobria a placa e o quadro, ao mesmo tempo em que um disco de Avena de Castro relembrava os grandes sucessos de Jacob.

 

Sob lágrimas que contagiaram a todos, sua filha muito emocionada, agradeceu a homenagem e disse ter certeza de que ela chegaria até onde seu pai estivesse, "deixando-o satisfeito, pois amava demais o Museu e seus amigos."

 

A sala Jacob do bandolim é pequena, mas tem capacidade para dezesseis alunos. Era a última disponível no MIS, para ser usada."

 

 

 

Jornal do Brasil - 28/09/74

 

"Depois de cinco anos de incertezas causadas pela falta de verba, o acervo musical de Jacob do Bandolim vai ser incorporado em caráter definitivo ao Museu da Imagem e do Som. O material foi adquirido ontem, pela Cia Souza Cruz, que o doou ao MIS.

 

A coleção estava sob a custódia do Museu desde 1969, sem que este tivesse condições de adquiri-la. A mulher de Jacob chegou a negociar o acervo com a Biblioteca Municipal de São Paulo, mas devido a um manifesto de 200 artistas e intelectuais, reconsiderou sua decisão, permitindo que o Museu se tornasse proprietário, através da doação da Souza Cruz.

 

...Colecionado durante trinta anos de vida artística, o acervo é especializado em choros, e entre as suas 10 mil peças há muitas raridades: fitas em que Noel Rosa canta as suas composições, uma coleção de partituras de Ernesto Nazareth, partituras raras do flautista Patápio Silva..."

 

 

 

Jornal do Brasil - 03/05/75

 

"O Museu da Imagem e do Som vai inaugurar oficialmente, Segunda-feira, 23 de Junho, o arquivo Jacob do Bandolim e toda a semana de 16 a 23 do mês, será dedicada a ele. Em cada dia, um conjunto diferente de choro se apresentará no MIS."

 

 

 

Sérgio Bittencourt - O Globo - 15/02/78

 

"Ele custou  a  admitir  a  bossa nova  e  suas dissonâncias  vindas  do jazz. Os seus ídolos eram Pixinguinha e Ernesto Nazareth. Amigos tinha muitos. O Almirante (telefonavam-se todos os dias); Ricardo Cravo Albin, a quem admirava e respeitava muito; Pixinguinha, seu ídolo; Sérgio Cabral e Hermínio Bello de Carvalho, sentia-se o "guru" de ambos. Era o homem mais metódico que já conheci. Almoçava às 9 horas da manhã, chegava ao cartório onde trabalhava como escrivão às 11 horas, saía às 17 horas, chegava às 19 horas em casa. Jantava , ia para o seu arquivo pesquisar ou para o jardim de inverno da casa que construiu, com a alma, o coração - e empréstimo - em Jacarepaguá. Sua hora mais sagrada era a hora de ensaiar. Não admitia nenhum ruído. Nem o da tosse de algum desprevenido gripado. Mas o que mais impressionou em meu pai foram o caráter, a firmeza de seus pontos de vista e, sempre, sempre, a incrível e neurótica sensibilidade musical. A música, para ele, era outro mundo. Com certeza o seu único mundo real. Muitos ainda virão por aí, tocando bandolim - e que venham. Mas nenhum deles poderá tirar o som que ele e só ele tirou do seu pequeno e precário instrumento."

 

 

 

Turíbio Santos - O Globo - 13/08/79

 

"...O ressurgimento da música instrumental brasileira deve muito ao caráter incorruptível que Jacob sempre teve como intérprete ou compositor. Seria muito bonito se nesta comemoração dos dez anos de sua morte, os meios de comunicação acordassem da própria inércia cultural para divulgar o que temos de melhor na música brasileira. E assim festejassem todos os dias, não a ausência, mas a presença de Jacob entre nós."

 

 

 

Jornal da Tarde - 14/08/7 9

 

"Jacob Pick Bittencourt era, antes de mais nada, um homem sensível. Os aplausos, a presença ou ausência de amigos muito queridos, eram razões suficientes para levá-lo a comoções muito fortes... Ele sempre conseguiu impor seu instrumento fazendo solo, nunca em acompanhamento, como era comum na época. Seu virtuosismo é que conseguia tal façanha: era considerado, ao lado de Pixinguinha, como um dos maiores instrumentistas brasileiros. Essa técnica foi apurada durante os anos de vivência em conjuntos caseiros - aqueles que se reuniam na casa dos amigos, para sessão informal de música, e depois com o seu ingresso definitivo no rádio, quando venceu um concurso promovido pela Rádio Guanabara, que buscava novos valores. Jacob tirou primeiro lugar e passou a conviver com músicos como Noel Rosa, Sílvio Caldas, Araci de Almeida... Jacob rapidamente transformou-se numa figura de prestígio, mas demorou bastante tempo até chegar a gravar um disco como solista, o que aconteceu em 1947, com a gravação de Treme-Treme e Glória, um 78 rotações que vendeu quase 25 mil cópias. Daí para frente, não parou mais..."

 

 

 

O Estado de São Paulo - 15/08/79

 

"Com o Teatro João Caetano praticamente lotado e na presença de diversos nomes da Música Popular Brasileira, terminou na madrugada de ontem, no Rio de Janeiro, o segundo espetáculo da série "Tributo a Jacob do Bandolim".

 

Organizada pela Funarte para lembrar os dez anos da morte do instrumentista, ocorrida no dia 13 de Agosto de 1969, a série continua hoje em São Paulo , com um show às 21 horas na Sala Guiomar Novaes.

 

A apresentação dos músicos Radamés Gnattali, ao piano; Joel do Nascimento, bandolim; Luciana Rabelo, cavaquinho, e seu irmão Rafael, violão de 7 cordas; Celso José da Silva, no ritmo, bastou para que a homenagem a Jacob do Bandolim se transformasse numa noite inesquecível. Como já havia ocorrido em Curitiba, onde se realizou o primeiro espetáculo, a cada apresentação dos músicos, seguiam-se aplausos inflamados da platéia.

 

Afinal, entraram em cena, músicos que de uma forma ou e outra estão ligados à obra do instrumentista e que assumem na Música Popular Brasileira um destacado papel, como o compositor, regente e maestro Radamés Gnattali e Joel do Nascimento, apontado hoje como o sucessor de Jacob...

 

O diretor do espetáculo Hermínio Bello de Carvalho, ao falar da personalidade de Jacob do Bandolim, lembrou que o instrumentista "não era uma pessoa a quem se pudesse rotular de expansiva. Se não represasse tanto as emoções, talvez até o coração não o traísse da maneira que o traiu, quando voltava da casa de Pixinguinha, onde foi pedir licença e bênção para morrer." Hermínio recordou, ainda, do cuidado com que Jacob tratava seu bandolim e os saraus do instrumentista, "um dos quais passei para disco, com uma versão do Noites Cariocas, absolutamente antológica..."

 

O crítico de música Zuza Homem de Melo, de O Estado, escreve: "...nele sente-se não apenas a personalidade fortíssima, e por vezes imprevisível do grande músico, mas também a pessoa culta e espirituosa, o homem organizado e estóico que transformaram Jacob numa das mais fascinantes figuras de toda a nossa música."

 

 

 

Antônio Crysóstomo - O Globo - 26/10/79

 

"O diretor e produtor Hermínio Bello de Carvalho diz que uma frase do cartaz do "Tributo a Jacob do Bandolim" sintetiza o espetáculo: "Um encontro de Jovens Duendes do Som, com um Patriarca da nossa música, cujo universalismo está em razão direta de uma linha de brasilidade da qual ele jamais se afastou..." Radamés Gnattali é o "Patriarca" referido no texto de Hermínio; Joel Nascimento, bandolinista, e o conjunto Camerata Carioca são os "Jovens Duendes do Som..."

 

 

 

Márcio Guedes - O Estado de São Paulo - 22/06/80

 

"11 anos após a morte de Jacob do Bandolim, o Estúdio Eldorado lança doze músicas inéditas, de sua autoria, especialmente selecionadas pelo bandolinista que o acompanhou por quase dez anos - Deo Rian. São oito choros, duas polcas, uma valsa e um schottisch, que lembram o estilo tradicional do grande músico e que só não foram gravadas antes de sua morte por causa de sua propensão ao perfeccionismo...

 

Deo afirma, que sob o ponto de vista musical, as 12 escolhidas estavam todas acabadas: "...Eram umas 20 e poucas músicas e eu usei um critério pessoal para selecioná-las. Eram realmente as melhores. Com a ajuda de dona Adylia, coloquei apenas o nome em duas, que não estavam ainda batizadas: Saracoteando e Quebrando o Galho."

 

O produtor do disco, Homero Pereira explica, que dona Adylia queria que esses inéditos fossem gravados com a presença de Deo, que foi uma espécie de continuador da obra dele e que teria sensibilidade para preservar seu estilo. E assim foi feito, com o conjunto de Deo - Noites Cariocas - formado por: Deo (bandolim), Damásio (violão), Rafael (violão de sete cordas), Julinho (cavaquinho), Darly (pandeiro), Manoel (violão)...

 

Na capa de Inéditos há uma foto antiga de Jacob, acompanhado por alguns músicos mais importantes de sua carreira: Vide (flauta), Luna (ritmista), Milton (violão), Henrique Gato (cavaquinho), César Faria (violão - pai de Paulinho da Viola), Jessé Cândido (violão). Com eles Jacob gravou seus principais discos...

 

Segundo Rian:

 

- Este disco foi realmente a maior homenagem que nós podemos prestar à memória desse gênio da música popular que foi o nosso querido Jacob."

 

 

 

Sérgio Cabral - O Globo - 30/06/80

 

- Quando se sabe do descaso com que se trata, normalmente, a música instrumental no Brasil, é o maior acontecimento musical do ano.

 

Esta é a opinião de Paulinho da Viola sobre um espetáculo reunindo Radamés Gnattali, Joel Nascimento e o conjunto Camerata Carioca, que lançará hoje, às 21 horas, no Teatro João Caetano, o LP "Tributo a Jacob do Bandolim", baseado no show que Hermínio Bello de Carvalho montou, ano passado, lembrando o décimo aniversário de sua morte..."

 

 

 

Jornal do Brasil - 30/06/80

 

"Há 11 anos, de edema pulmonar, morria Jacob do Bandolim...

 

Já havia, no entanto, alcançado a imortalidade. E os saraus que eram animados por sua música e pela música de velhos chorões seus amigos, continuam a reproduzir-se, com o mesmo, excelente e inesgotável material musical interpretado por seus discípulos..."

 

 

 

Luis Nassif - Folha de São Paulo - 05/04/94

 

Jacob do Bandolim e a economia.

 

"Quando ensaiava suas apresentações com o conjunto Época de Ouro, Jacob do Bandolim, o maior bandolinista da história, recorria a um método de trabalho original. Sugeria inovações em determinados trechos da melodia, a serem detalhadas pelos demais músicos. E saia para tomar cafezinho, enquanto o conjunto trabalhava em cima das sugestões. Quanto mais durasse o café, melhor era o resultado alcançado.

 

Se tivesse dirigido sua criatividade e seu método de trabalho para processos produtivos - e morasse em outro país -, Jacob do Bandolim teria se tornado um capitão de indústria dos maiores. O que praticava com seus músicos está em linha com o que de mais moderno existe na ciência da administração e no marketing.

 

Em Jacob, a centelha de um talento luminoso tinha que ser burilada permanentemente, criada e recriada, testada e aperfeiçoada. Havia uma obsessão pelos detalhes e a busca sistemática de soluções criativas. Embora fosse o maior de todos, limitava-se a apontar o caminho e a tirar em cada músico a contribuição mais criativa

 

A música popular sempre foi considerada a manifestação mais brilhante da criatividade brasileira. Mas sedimentou-se na cultura oficial o preconceito de que esta criatividade tinha um quê de vagabundo, de falta de sentido prático, como se a criatividade precisasse ser qualificada.

 

A criatividade é uma característica de raças e culturas. Não existe criatividade segmentada, voltada só para música, ou para as artes, ou para os negócios. Nações são criativas ou não, independentemente de para onde a criatividade seja canalizada      .

 

Pergunte-se a qualquer multinacional avançada, sobre a qualidade do trabalhador brasileiro. Vai-se ouvir maravilhas sobre sua facilidade de adaptação a novas condições e métodos - característica do sujeito criativo.

 

Não é coincidência o fato de essa criatividade ter-se manifestado com toda intensidade na música, nos segmentos mais desassistidos da população. Nem é coincidência que, regionalmente, a musicalidade brasileira se manifestasse com mais intensidade nas regiões onde a presença do Estado era mais massacrante e atrasada - como no nordeste.

 

Onde o Estado estendeu seu manto protetor, criou uma raça de eunucos, acomodados, mortos em vida. Foi preciso que os imigrantes dos anos 20 injetassem sangue novo na economia, quando o Estado garantiu a sobrevida, em formol, dos barões do café. Mais tarde, todos imigrantes que, tendo se tornado poder, passaram a trabalhar de olho nas burras do Banco do Brasil, perderam a energia de seus antepassados e viraram estátuas de sal      .

 

Enquanto isso, a música popular desenvolvia-se numa criatividade sem paralelo.

 

Hoje, a música popular é um dos segmentos econômicos de maior significado na economia mundial - como matéria-prima do complexo audiovisual.

Acabamento criativo, diversificação de produtos, inovações fantásticas, melodias para todos os gostos, variedades regionais ilimitadas - o Brasil tem de tudo. Há estrelas internacionais, como Gil, Caetano, Chico Buarque, Ivan Lins, Milton Nascimento, Djavan...

 

Há a maior escola de violão do planeta, com Baden, Rafael, os irmãos Assad, entre tantos outros. Há conjuntos vocais de primeiríssimo time... Tem-se uma das duas maiores escolas de música instrumental do século - o chorinho.

 

...E tem-se uma tradição audiovisual de primeiro mundo, graças ao excepcional desenvolvimento técnico proporcionado pela Globo.

 

Faltam apenas empresários de visão, para o Brasil tornar-se o grande supridor da indústria cultural mundial no campo da música. Na verdade, poucos setores da economia nacional conseguem dispor de uma geração empresarial tão medíocre e amadora como a indústria fonográfica brasileira.

 

Não é por outro motivo que a lambada - segundo ensina o pesquisador José Ramos Tinhorão em seu último livro - foi descoberta e rendeu milhões de dólares a dois produtores europeus."

 

 

 

SérgioCabral - O Dia - 08/08/94

 

"Tarde de Domingo , o café Teatro Casa Grande (mais tarde Teatro Casa Grande) estava superlotado. Era uma das sessões do Clube de Jazz e Bossa, que, naquele dia, homenagearia Jacob do Bandolim. Na chegada, ao olhar a cara do público, Jacob não gostou:

 

- Só tem garoto. Eles não me conhecem. Não vai dar.

 

E voltou para o seu Fusca, de onde somente saiu depois de insistentes apelos. Entrou pela porta lateral que dava acesso ao palco, foi anunciado e dirigiu-se para o microfone. Deu uma nova olhada no público e, acompanhado pelo conjunto Época de Ouro, começou a tocar Noites Cariocas, de sua autoria. A platéia, que não o conhecia, surpreendeu-se com o extraordinário instrumentista e homenageou-o, inicialmente, com um respeitoso silêncio e, ao terminar a música, com uma explosão de palmas. Quando executou Carinhoso, o público não esperou o fim da música para aplaudir. Era visível a emoção de Jacob. Depois, outro clássico de Pixinguinha, Lamentos. Que musicalidade, que capacidade de improviso, que domínio do instrumento!

 

- É um virtuose! - gritou alguém, sendo acompanhado por palmas de aprovação e por pedidos de silêncio. Os olhos de Jacob estavam cheios d'água, mas ele resistiu e tocou até o fim, quando o público inteiro estava de pé, aplaudindo e gritando. Os aplausos prosseguiram e Jacob resolveu encerrar ali sua apresentação. Agradeceu, sem jeito, virou de costas para a platéia e dirigiu-se aos bastidores, onde parou e caiu. Era Março de 1967. Primeiro enfarte de Jacob Bittencourt, o Jacob do Bandolim.

 

Quem conheceu Jacob apenas pelos discos, não pode imaginar que aquele instrumentista de palhetas malandras, inesperadas e bem humoradas fosse, de um lado, um homem extremamente tenso, organizadíssimo, exigente em tudo e responsável até por manifestações de autoritarismo quando se entregava ao trabalho... Considerava-se um tradicionalista, razão pela qual gostava de tocar para um público identificado com ele. Tinha horror aos "moderninhos", principalmente daqueles que lhe sugeriam uma "reformulação" do choro. A emoção que tomou conta dele na Casa Grande foi decorrente da descoberta surpreendente de que os jovens da Zona Sul adoraram a sua música. Jacob não sabia, tradicionalista convicto, que o moderno na nossa música era ele, desde que a modernidade fosse associada à criatividade. Que instrumentista brasileiro criou tanto, improvisou com tanta riqueza? Passava 10, 15, 20 minutos fazendo variações em torno de um tema, sem repetir nenhuma delas.... O cantor Sílvio Silveira, crooner de orquestra em Paris, contou-me que, certa vez, o grande saxofonista francês de jazz, Claude Lutter, chamou a sua atenção:

 

- Vocês brasileiros, são curiosos. Contam com o maior instrumentista do mundo e não falam nada.

 

- A quem você está se referindo?

 

- A Jacob do Bandolim - respondeu Lutter.

 

No famoso show com Elizete Cardoso e Zimbo Trio, no Teatro João Caetano, em Fevereiro de 1968, o bandolinista arrancou aplausos e pedidos de bis (que foram atendidos) por causa da sua interpretação de Chega de Saudade, juntamente com o Zimbo Trio. O clássico Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes recebeu, naquela noite, várias versões propostas por Jacob. Uma delas foi incorporada pelo próprio Tom Jobim, a partir de uma gravação de Chega de Saudade, feita em 1987. Não era, porém, um homem de uma só faceta. Havia um Jacob brincalhão, bem humorado e piadista que surgia, principalmente nos saraus que promovia em sua casa, em Jacarepaguá. Fui testemunha de uma das suas manifestações bem humoradas num show realizado em 1961, na Universidade Makenzie, em São Paulo , onde solou e participou do acompanhamento musical dos cantores Sílvio Caldas, Ciro Monteiro, Araci de Almeida e outros, que ali se apresentaram. Sérgio Porto, que atuou como apresentador, estava muito nervoso. Num certo momento do show, ele perguntou a Jacob se estava se saindo bem.

 

Está ótimo. Para César de Alencar, só está faltando a burrice - tranqüilizou Jacob."

 

Radamés Gnattali

 

"Jacob era um homem admirável, porque gostava de tudo correto, as notas no lugar, não admitia nada fora do tom, era muito inteligente".

 

 

ALGUNS DOS PRÊMIOS CONQUISTADOS POR Jacob do Bandolim

 

1954 - Melhor Solista (Guarani) - 1º Festival Brasileiro do Disco, promovido pelos Diários Associados;

 

1961 - Melhor Solista Popular (Euterpe) - Prêmio Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro;

 

1964 - Melhor LP de Música Brasileira (Guarani) - 3º Festival do Disco de São Paulo;

 

1964 - Melhor LP de Música Brasileira (Guarani) - Associação Brasileira de Discos;

 

Membro nato do Conselho de Música Popular Brasileira do Museu da Imagem e do Som.

 

 

(texto cedido gentilmente por Artur da Távola / www.arturdatavola.com)

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